Quando era criança, ser evangélico era ser estranho. Muitas vezes, motivo de piada e de vergonha. Somente na adolescência externei minha religiosidade ao grande público, mesmo assim, era complicado ser rechaçado por não beber, ser virgem e não “ficar” com as garotas do colégio. Contudo, ao exemplo dos mártires da bíblia, me sentia fortalecido em minha fé. Músico precoce aprendi tocar piano e violão, estudando, aos 11 anos já era titular dos cultos de quarta feira na bateria. Ser músico também implica em uma série de esquisitícies. Já não gostava das músicas da época e me trancafiava num passado cultural que mais me aprazia. Gostava de música negra, blues, jazz e principalmente funk. Nada a ver para um garoto de 14 anos. Num curto processo de volta ao tempo vou discorrer sobre a música evangélica no Brasil, sob minha ótica não pretendendo esgotar o tema nem mesmo dar veredítos.
O cenário da música evangélica que enchergava em São Paulo nos anos 80 era composto por grupos como o Grupo Elo, depois o Grupo Logus, Tio Cássio e Adhemar de Campos. Eram essencialmente grupos de louvor, não atingiam o público extra-eclesiástico. Nos anos 90 surgiram coisas interessantes e o termo Gospel trazido pela igreja dos hoje reclusos apóstolos milhonários da Renascer em Cristo facilitou as coisas. Bandas de rock gospel dominavam a cena e com um foco mais evangelístico alcançavam jovens de fora da igreja. Neste momento Resgate, Oficina G3, Ketsbarnéa, Troad, Atos 2, Fruto Sagrado e mais alguns despontavam. Havia a rádio monopólio da Renascer. Num cenário um pouco distinto, da igreja Pedra Viva saía a Banda Rara, essa sim, me influenciou de verdade. Com o black paulista ela liderou um movimento que floresceu anos depois. Houve um período de estagnação e alguns grupos cariocas faziam grande sucesso. Até que a Aline Barros apareceu na Xuxa.
Considero esse um evento importante no cenário evangélico. Não havia ainda um ícone do Gospel no Brasil. Não haviam vendagens exorbitantes. Nesta nova fase, as bandas de rock evangelístico perderam seus espaçoes e grandes grupos de louvor voltaram a tona, mas desta vez, com status de pop stars. Milhões de CDs vendidos e muito dinheiro envolvido começou acontecer. Diante do trono, Logoinha, Casa de Davi, Toque no Altar entre tantos outros, tudo isso se fundiu num estilo chamado de “Adoração”. Foi nesse período que surgiu o Renascer Praise, a pseudo-banda da Renascer que rankeava o primeiro lugar das mais pedidos em sua rádio durante todo o ano. O lance virou profissional. Os músicos eram contratados e sempre os melhores. Todos queriam fazer “Adoração”. Ron Kenolly e Alvim S. eram traduzidos discaradamente em Cds da Comunidade da Graça e daí para o Brasil. Um ponto importante neste período foi a chegada dos CDs do Marcos Witt. Como eram em espanhol, era fácil de traduzir. Esse movimento pasteurizou a música cristã e criou reverência por alguns artistas que chegam a cobrar, até hoje, cachês de R$ 500.000,00. Soraya Moraes, Aline Barros, André e Ana Paula Valadão constituíram verdadeiros impérios.
O rock perdeu sua força mas ainda existiam bandas de pop-rock que conseguiam tocar nas rádios. O Catedral fez muito sucesso mas teve sua carreira manchada por misturar música gospel com música do “mundo”, usando a terminologia igrejeira. Crentes não gostam dessa mistura, pra mim, é hipocrisia.
Ramificando da era Banda Rara, ainda no Pedra Viva, Maurilio Santos, Robson Nascimento e o Just Sing Choir vivificavam a black gospel. Já havia o rap de APC e DJ Alpiste. O primeiro CD do Just Sing Choir com o Robson Nascimento mudou muita coisa também. A partir daí começou-se ouvir gente que estava calada em suas igrejas. O black começou ganhar força com o Quarteto Feeling e o estilo tornou-se popular. Templo Soul, Soul Dream, Raiz Coral e muita, mas muita gente que faz melisma e vocalizes exagerados lançou CDs embalados no sucesso internacional de Kirk Franklin e Fred Hammond.
Chegamos nos dia de hoje e a referência internacional vem da Austrália, é o Hill Song de Darlene. O Pop-Rock tem espaço com bandas que misturam o estilo “Adoração” com o pop-rock. David Quinlan, Fernandinho, André Valadão participam deste filão.
O estilo “Adoração” é a música das massas, levam milhões para estádios e está disputadíssimo, eu já não sei quem canta o que, pois são muito parecidos. Um certo olhar de superioridade pode ser observado pelos personagens deste segmento.
O Black está na panela também. Virou um purê. Tem muita coisa, muita coisa boa, mas muito exagero, principalmente no visual e nos vocais e muita cópia. Discaradamente copiam-se levadas e batidas. Perdeu-se um pouco a musicalidade para a técnica. Mas é bom que tenha black vivo e crescendo ainda hoje.
Existem muitos cantores solos. Marquinhos Gomes, Mattos Nascimento (esse é das antigas) e alguns outros tantos que fizeram e fazem relativo sucesso. Também há personalidades que se tornaram cristãs, Mara Maravilha, Andréa Sorvetão, Sula Miranda, Nelson Ned e alguns outros.
Neste cenário, gente como eu, que pensa num estilo menos popular ou que quer fazer algo diferente não consegue muito sucesso, são cantores de mpb, bossa nova, dance music gospel, samba, reaggae … enfim, fora da baciada.
Vou lançar meu CD e não quero ser artista, apenas pretendo fazer música, coisa que já faço desde que nasci. Espero não estar rotulado antes mesmo de nascer.
fonte: http://ericgallardo.wordpress.com/2007/10/20/uma-analise-da-musica-gospel-brasileira/